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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

DERRUBANDO MASCARAS



Conheça histórias de quem viu a morte de perto na Cracolândia, mas hoje está no caminho da recuperação

Diário de São Paulo  - Fabio Pagotto

Eu me vi no espelho e vi um monstro

Claudinei F., de 47 anos,  ex-despachante, hoje auxiliar de limpeza, conheceu as drogas em casa. Seus pais consumiam maconha, cocaína, álcool e crack na frente dele e dos oito irmãos. “O meu pai sempre usou. Quando perdeu o emprego, passou a traficar e cometer crimes como assaltos e furtos. Foi preso várias vezes. Por tristeza, a minha mãe começou a usar também”, fala, com a voz embargada.

Sob a condição de anonimato, ele falou ao DIÁRIO no CAPs AD (Centro de Atenção Pssicosocial de Álcool e Drogas) da Capela do Socorro, na Zona Sul, onde desde de julho de 2011  busca tratamento para se livrar da dependência de cocaína.

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A primeira substância ilícita que experimentou foi a maconha, aos 12 anos. “Eu comecei a fumar porque na minha família era normal. Depois, eu passsei para cocaína, LSD, chá de cogumelo, qualquer coisa. Só não injetei nas veias”, falou Claudinei. O ex-despachante abandonou os estudos na sexta série e fez diversos bicos. Ele traficava drogas esporadicamente e cometia assaltos “quando precisava arrumar alguma coisa para usar”.

Mesmo assim, tornou-se despachante e chegou a ter dois escritórios, que acabou perdendo por causa do vício em drogas. Claudinei diz ter conhecido o crack em 1990. “Eu experimentei e caí de cabeça. Usei até 1993 e essa droga acabou com a minha vida, quase virei mendigo na Cracolândia”, falou o ex-despachante.


“Na época cheguei a abrir um escritório na esquina da Avenida Duque de Caxias com a Rua Guaianases, em plena Cracolândia, apenas para ficar mais perto da droga”, diz. Apesar de ter parado com o crack, ele continuou sendo usuário pesado de cocaína e álcool.

Claudinei viu as drogas devastarem sua família. O primeiro a morrer foi o pai, em 1992, de câncer relacionado com o abuso de substâncias tóxicas. A mãe morreu cinco anos mais tarde, de cirrose. Um irmão morreu assassinado em uma briga. Outra irmã, que viveu na Cracolândia, morreu de Aids. Ali, um outro irmão seu é usuário de crack. “A última vez que o vi foi no Natal. Ele veio em casa, passou dois dias e voltou à Cracolândia”, falou Claudinei.

Em 2001, cansado de sofrer, buscou ajuda no programa de combate às drogas de uma universidade de medicina na Zona Sul “Eu me olhei no espelho e vi um monstro”, conta. Porém, em 11 anos, pouco avançou no tratamento por não ter acompanhamento adequado. “Eu não parei de usar. Não tinha acompanhamento, o psiquiatra às vezes demorava 60 dias para me receber e nesse intervalo eu acabava usando”, disse  Claudinei.

Acolhida

“Eu senti uma diferença muito grande aqui no CAPs. É mais acolhedor e o tratamento é mais próximo”, relata Claudinei, que se considera recuperado, apesar de ter usado cocaína uma vez há três meses, no que no CAPs é tratado como lapso. “Eu estou trabalhando e bem. Antes, eu não via futuro nenhum para mim”, falou.


Crise com os pais levou ao vício e depois tráfico de droga

D. Washington, 21 anos, achava que seus pais não gostavam dele. “Por quê você não cheira pó? vai se sentir mais suave”, disse um amigo, na ocasião. “Eu experimentei e me apaixonei pela droga. Me sentia bem, dono do mundo. Passei a cheirar todo final de semana e depois todo dia”, falou Washington.

Ele passou a faltar no trabalho, exausto, depois de dois dias sem dormir quando usava a droga. Por causa disso, em menos de um ano, perdeu o emprego em uma fábrica de móveis. “Aí, eu passei a trabalhar na ‘biqueira’ (ponto de venda de drogas), arrumei um revólver e roubei carros e motos. Sempre cheirando cada vez mais cocaína”, falou.

A serviço do tráfico, Washington  transportava e droga, abastecendo diversos pontos, incluindo a Cracolândia. Ele relata que teve muita sorte por não ter sido preso. “Uma vez na favela passei cinco horas em um telhado, quando a polícia estourou a boca de fumo”, falou. Sem fome por causa do efeito da cocaína, recorria à maconha.  “Eu só não usei crack porque traficante não respeita nóia”, afirmou Washington.

Os pais de Washington souberam por meio de vizinhos que o filho estava envolvido com o tráfico e o levaram a um psiquiatra, que o encaminhou ao CAPs, em julho de 2010. Ele começou o tratamento ali, mas sem convicção. “Continuava usando escondido. Não me achava dependente”, diz.

Entrega

A mudança de pensamento aconteceu no aniversário do ano passado, em setembro, ocasião em que ganhou de um amigo 40 gramas de cocaína. “No segundo dia cheirando feito louco eu tive uma overdose e achei que ia morrer. Vi o filme da minha vida passando diante dos olhos e tudo e acordei no hospital. Mudei meu pensamento”, falou Washington, que hoje em dia leva o tratamento a sério e não teve mais recaídas.





Fonte: UNIAD

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