Conheça histórias de quem viu a morte de perto na Cracolândia, mas hoje está no caminho da recuperação
Diário de São Paulo - Fabio Pagotto
Eu me vi no espelho e vi um monstro
Claudinei F., de 47 anos, ex-despachante, hoje auxiliar de limpeza, conheceu as drogas em casa. Seus pais consumiam maconha, cocaína, álcool e crack na frente dele e dos oito irmãos. “O meu pai sempre usou. Quando perdeu o emprego, passou a traficar e cometer crimes como assaltos e furtos. Foi preso várias vezes. Por tristeza, a minha mãe começou a usar também”, fala, com a voz embargada.
Sob a condição de anonimato, ele falou ao DIÁRIO no CAPs AD (Centro de Atenção Pssicosocial de Álcool e Drogas) da Capela do Socorro, na Zona Sul, onde desde de julho de 2011 busca tratamento para se livrar da dependência de cocaína.
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A primeira substância ilícita que experimentou foi a maconha, aos 12 anos. “Eu comecei a fumar porque na minha família era normal. Depois, eu passsei para cocaína, LSD, chá de cogumelo, qualquer coisa. Só não injetei nas veias”, falou Claudinei. O ex-despachante abandonou os estudos na sexta série e fez diversos bicos. Ele traficava drogas esporadicamente e cometia assaltos “quando precisava arrumar alguma coisa para usar”.
Mesmo assim, tornou-se despachante e chegou a ter dois escritórios, que acabou perdendo por causa do vício em drogas. Claudinei diz ter conhecido o crack em 1990. “Eu experimentei e caí de cabeça. Usei até 1993 e essa droga acabou com a minha vida, quase virei mendigo na Cracolândia”, falou o ex-despachante.
“Na época cheguei a abrir um escritório na esquina da Avenida Duque de Caxias com a Rua Guaianases, em plena Cracolândia, apenas para ficar mais perto da droga”, diz. Apesar de ter parado com o crack, ele continuou sendo usuário pesado de cocaína e álcool.
Claudinei viu as drogas devastarem sua família. O primeiro a morrer foi o pai, em 1992, de câncer relacionado com o abuso de substâncias tóxicas. A mãe morreu cinco anos mais tarde, de cirrose. Um irmão morreu assassinado em uma briga. Outra irmã, que viveu na Cracolândia, morreu de Aids. Ali, um outro irmão seu é usuário de crack. “A última vez que o vi foi no Natal. Ele veio em casa, passou dois dias e voltou à Cracolândia”, falou Claudinei.
Em 2001, cansado de sofrer, buscou ajuda no programa de combate às drogas de uma universidade de medicina na Zona Sul “Eu me olhei no espelho e vi um monstro”, conta. Porém, em 11 anos, pouco avançou no tratamento por não ter acompanhamento adequado. “Eu não parei de usar. Não tinha acompanhamento, o psiquiatra às vezes demorava 60 dias para me receber e nesse intervalo eu acabava usando”, disse Claudinei.
Acolhida
“Eu senti uma diferença muito grande aqui no CAPs. É mais acolhedor e o tratamento é mais próximo”, relata Claudinei, que se considera recuperado, apesar de ter usado cocaína uma vez há três meses, no que no CAPs é tratado como lapso. “Eu estou trabalhando e bem. Antes, eu não via futuro nenhum para mim”, falou.
Crise com os pais levou ao vício e depois tráfico de droga

Ele passou a faltar no trabalho, exausto, depois de dois dias sem dormir quando usava a droga. Por causa disso, em menos de um ano, perdeu o emprego em uma fábrica de móveis. “Aí, eu passei a trabalhar na ‘biqueira’ (ponto de venda de drogas), arrumei um revólver e roubei carros e motos. Sempre cheirando cada vez mais cocaína”, falou.
A serviço do tráfico, Washington transportava e droga, abastecendo diversos pontos, incluindo a Cracolândia. Ele relata que teve muita sorte por não ter sido preso. “Uma vez na favela passei cinco horas em um telhado, quando a polícia estourou a boca de fumo”, falou. Sem fome por causa do efeito da cocaína, recorria à maconha. “Eu só não usei crack porque traficante não respeita nóia”, afirmou Washington.
Os pais de Washington souberam por meio de vizinhos que o filho estava envolvido com o tráfico e o levaram a um psiquiatra, que o encaminhou ao CAPs, em julho de 2010. Ele começou o tratamento ali, mas sem convicção. “Continuava usando escondido. Não me achava dependente”, diz.
Entrega

Fonte: UNIAD
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